
Herói do Fla no Mundial, Nunes recorda provocação de rivais antes de final de 81: ‘Virou um sorriso de tristeza’ 325up
Ídolo rubro-negro marcou dois gols na vitória por 3 a 0 sobre o Liverpool 3i3a3v
"Em dezembro de 81, botou os ingleses na roda, 3 a 0 no Liverpool, ficou marcado na história que no Rio não tem outro igual. Só o Flamengo é campeão mundial. E agora, seu povo pede o mundo de novo". A música quando cantada no Maracanã arrepia qualquer um dos quase 50 milhões de flamenguistas espalhados pelo Brasil. Emoção essa que não é por acaso: ela enaltece a vitória contra o time inglês no dia 13 de dezembro de 1981, em Tóquio, no Japão. Uma conquista que representa, até hoje, o único título mundial de um time carioca e escancara o sonho de repetir a conquista na Copa do Mundo de Clubes da Fifa, que começa no próximo domingo, 15, nos Estados Unidos. o2642
- Essa reportagem faz parte do especial Volta ao Mundo em 90 Minutos, que conta histórias envolvendo as experiências de Flamengo, Palmeiras, Fluminense e Botafogo no Mundial de Clubes
Para quem esteve no gramado do Estádio Nacional naquele dia, há também um outro sentimento, diferente e único, o de dever cumprido, especialmente para João Batista Nunes de Oliveira, ou simplesmente Nunes. O Artilheiro das Decisões marcou dois gols na final e é considerado um dos maiores ídolos da história rubro-negra. O carinho é recíproco, tanto que o ex-jogador ainda tem a Gávea como segunda casa e escolheu o local para recordar a conquista em conversa com o Terra.
Paixão que está estampada no olhar do eterno flamenguista, que brilha todas as vezes em que mencionava a histórica conquista. E só alguém que entende tão a fundo o que é ser Flamengo seria capaz de viver uma tarde de herói como a do camisa 9. E não tem como não se lembrar da invasão à área adversária com o toque na saída do goleiro Bruce Grobbelaar e o chute no canto após nova assistência de Zico.
E a importância do artilheiro flamenguista naquela decisão não se resumiu aos seus gols. Ele se tornou essencial para ajudar os jogadores a manter a concentração após uma atitude, em tom debochado, dos rivais ingleses, ainda no pré-jogo.
“Quando estávamos aquecendo, eles aram na porta do vestiário e deram risada, porque nos viram gritando: ‘Um, dois, três, quatro’. O Júnior percebeu eles rindo e falou pra gente. Nisso, eu falei: ‘Deixa que eles vão rir dentro de campo’. E não deu outra. Dentro de campo eles riram, mas foi um sorriso de tristeza”, conta à reportagem.
Hoje, 44 anos após a conquista, Nunes sabe que o que fez junto com Zico e companhia não é para qualquer jogador. Naquela viagem, porém, eles tentavam tratar o Mundial de Clubes com o mesmo foco dado para o Carioca, Brasileirão e Libertadores, que, por sinal, também foram conquistados pela vitoriosa geração.
Tranquilos e, de certa forma, sem conhecer ou temer o Liverpool, os comandados de Paulo César Carpegiani iniciaram a preparação uma semana antes da partida, em Los Angeles, nos Estados Unidos. A agem pelo palco desta edição do Mundial teve o intuito de melhorar a adaptação ao fuso-horário. Da Califórnia, ainda aram por uma estadia no Havaí, antes da ida a Tóquio.
Quando, enfim, desembarcaram no Japão, os flamenguistas mantiveram o foco apenas na preparação para o jogo, quase que sem qualquer contato com pessoas de fora da delegação.
“Nós sempre jogamos contra os melhores times do mundo e eu sempre coloquei o Flamengo como um dos melhores times do mundo. Não tínhamos um conhecimento a fundo em relação ao Liverpool, e eles também não tinham da gente. Mas nosso time era bem consciente e preparado. Sabíamos o que queríamos dentro de campo e trabalharmos para sermos campeões do mundo. [...] Foi um chocolate em cima dos ingleses. Conseguimos ganhar de 3 a 0. Matamos os adversários logo no primeiro tempo, depois foi só istrar”, recorda o artilheiro.
Para colocar ‘os ingleses na roda’, Carpegiani optou por uma escalação que até hoje é lembrada pelos flamenguistas: Raul, Leandro, Marinho, Mozer, Júnior, Andrade, Adílio, Zico, Tita, Lico e Nunes. E, em meio ao estrelado elenco, Nunes construiu uma relação especial com Zico, o maior ídolo da história do Flamengo. A sintonia da dupla era tamanha que eles se conectavam apenas pelo olhar e foram responsáveis pelos lances inesquecíveis no Japão.
“Eu e o Zico nascemos para dar certo. A gente treinava muito, o Zico treinava de uma maneira que você não tem noção. Treinava pênalti, falta, lançamento, tudo isso. Nos treinamentos, fazíamos jogadas ensaiadas e eu também treinava muito finalização ao gol. Eu treinava os meus fundamentos, eu tenho que treinar o que eu sei fazer: chute ao gol, cabeceio e a movimentação"
"A leitura tática dentro de campo, a disciplina tática. Ninguém conseguia me marcar porque eu não parava. Minha relação com o Zico é muito boa, é igual quando jogávamos. O respeito é muito grande, só no olhar a gente já se entende. A gente já sabe o que vai falar, nunca falamos besteira, só falamos a verdade. A nossa sintonia é muito grande”, continuou ao abrir o coração ao falar do amigo de campo e de vida.
Com participação de Zico nos três gols e Nunes colocando a bola para o fundo da rede em dois --o outro foi marcado por Adílio--, os dois foram premiados com carros da Toyota, patrocinadora do torneio. Embora não tenha mais o veículo e sequer se lembre por quanto vendeu, Nunes guarda um momento curioso das comemorações na memória. Para ele, a diversão durante o jantar representa a união daquele grupo.
“Eu me lembro que no jantar estava todo mundo feliz. Todo mundo tentando comer de palitinho e não conseguia. Tentava segurar a carne, o legume e derrubava, mas conseguimos. Aprendemos até a comer de palitinho. Isso é a prova que o grupo é unido. Muita coisa bonita aconteceu. O trabalho foi realizado durante o ano todo. A preparação, os treinamentos, as concentrações, as viagens. Tudo valeu a pena. Nós conseguimos. Isso, então, foi a prova de que o grupo estava preparado. Ganhamos o Carioca, a Libertadores e o Mundial. Se na época existisse Copa do Brasil, a gente ganhava também”, diz, aos risos.
Em 214 jogos com a camisa --ou, como dizem os torcedores, com o manto-- do Flamengo, foram 99 gols marcados, 51 deles na mágica temporada de 1981. Seu poder de decisão ajudou o time da Gávea a levantar os troféus do Campeonato Carioca (1981 e 1986), Brasileirão (1980, 1982 e 1987), Copa Libertadores (1981) e, claro, o Mundial (1981).
Toda essa história vitoriosa, porém, quase foi interrompida ainda nas categorias de base. Nunes deixou Feira de Santana, no interior da Bahia, para representar os juniores do time do coração, mas acabou dispensado antes mesmo de ter qualquer oportunidade de representar o rubro-negro como atleta profissional.
A liberação para com outro clube poderia abalar qualquer outro garoto, mas não Nunes. Antes de sair da Gávea, ele avisou ao enfermeiro Serginho, em um diálogo que até hoje guarda na memória: “Eles estão me mandando embora, mas ainda vão me comprar bem caro.”
As palavras não foram da boca para fora. Após brilhar com as camisas de Confiança, Santa Cruz, Fluminense e Monterrey, do México, o atacante voltou à Gávea, dessa vez com status de artilheiro, e se firmou como ídolo.
Aos 71 anos, Nunes leva o Flamengo como segunda casa e mantém uma escolinha de futebol na Gávea. Lá, descobre jogadores com o objetivo principal de transformá-los em futuros craques do Rubro-Negro.
Presente no dia a dia flamenguista, o Artilheiro das Decisões prefere evitar comparações com o elenco atual, que busca o bicampeonato mundial. “Gosto de todos, desde que me tratem com carinho e respeito, porque é assim que trato todos. Eu só não gosto de fazer comparação."
"É a nossa época, é a nossa época. Já conquistamos, já fizemos o que tínhamos que fazer. Estamos na história do Flamengo. Hoje, esse grupo do Flamengo é um grupo maravilhoso, que está trabalhando para fazer história cada vez mais dentro do Flamengo. E tem o nosso carinho, o nosso respeito"
No Grupo D da competição, o Flamengo estreia no dia 16 de junho, às 22h (horário de Brasília), contra o Espérance, da Tunísia, no Lincoln Financial Field, na Filadélfia. Ainda na primeira fase, o time de Filipe Luís enfrenta o Chelsea, da Inglaterra, e o Los Angeles, dos Estados Unidos.